sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

CONTOS DE UM GUARDIÃO - O FIM

Este conto retrata o ultimo capítulo desta história, não que isso signifique que os contos acabaram, mas apenas que, sob uma perspectiva cronológica, a história do guardião se encerra aqui.

Vejamos:

Nevava, era o período de se resguardar, de se recolher, era a época de estar com a família e tratar de todos para que até os mais fracos tivessem alguma chance de superar o tempo frio. Era sabido por todos que os menores passariam por apuros, assim como aqueles que convalesciam de feridas das batalhas, pena, não tiveram a sorte de morrer em batalha com espada em punho, esquecidos pelas Valquírias ou apegados demais à vida para parar de lutar por ela.

Mas este inverno era diferente, estavam todos tensos, sabiam que, mais cedo ou mais tarde teriam suas terras invadidas, havia inimigos vindos de terras sempre geladas, estes guerreiros não precisavam voltar para casa neste período, pois seu lar seria ainda mais hostil que este ambiente estranho, estavam em seu ambiente natural quando cercados de gelo, alguns entre eles, possivelmente os mais bravos, se vestiam de branco como a neve, com a pele de ursos brancos a cobrir seus corpos.

O guardião já os conhecia, havia lutado lado a lado com alguns como eles, bem como havia cruzado espadas com outros tantos, sabia que a neve não os impediria, sequer atrasaria. Mas as vezes eles mudavam de rumo, encontravam um lugar para passar um tempo, buscavam apenas terras melhores que as suas, ninguém ficaria parado vindo de onde vieram, terra infértil e fria, mais parecia que os deuses haviam abandonado aquele lugar.

Numa manhã, os ventos anunciaram a sua chegada, era hora de batalhar, não estavam prontos, não podiam estar, ainda se recuperavam da ultima batalha e não foram avisados a tempo de preparar uma reação adequada, ou mesmo uma fuga eficaz.
 


Faltava-lhes um líder, o ultimo acabara de morrer das feridas da batalha que enfraqueceu toda a tribo, deixou apenas a irmã com sabedoria e conhecimento o suficiente para liderar, mas mesmo esta se encontrava completamente desestruturada pela morte de seu amor e a perda de seu filho.

Mas o calor da batalha deu-lhe uma razão para continuar, era preciso, apatia agora representaria a morte de seu povo, o fim do sonho da velha, responsável pela ascensão do seu sangue e expansão por todo o mundo, e assim, ela teve que continuar. Ordenou que fosse posto em prática aquilo que todos sabiam ser o certo, ela seria responsável pela retirada dos pequenos, estes garantiriam a continuidade da linhagem, os mais fortes dariam o tempo necessário para a fuga.

O guardião também sofria pela perda do chefe e primo, aquele que tanto o ensinou. Seu irmão de armas agonizou até o fim, os ferimentos de batalha o levaram, mas lutou contra isso, não desejava o Valhalla, não agora, jamais fora apegado a vida, nenhum guerreiro desta tribo era, todos lutavam bravamente na esperança de continuar lutando eternamente junto aos deuses, mas o líder precisava continuar,  sabia da batalha que viria e sabia da importância da sua ferocidade na batalha para dar força e inspiração, era sempre “o tiro certeiro”.

A pequena, filha do seu amor, agora era uma adulta e ajudava a anciã, praticamente liderava a tribo, enchendo o guardião de orgulho, eventualmente sentia ciúmes da relação do guardião com sua nova esposa, aquela moça quase de sua idade, mas relacionava-se bem com todos, o guardião esperava que ela levasse os pequenos junto com a “chefe”.
 

Estavam todos lá, ou quase, todos os sobreviventes do ultimo combate, ansiosos com o anúncio da tempestade que viria, todos conheciam o plano, era a alternativa final, os mais fortes seriam rochas a impedir o avanço do mar, ainda eram muito fortes, especialmente em casa, tinham a melhor razão de todas para lutar, a sobrevivência da tribo, e assim, independente da fúria, os invasores deveriam recuar, como as ondas voltam para o mar.

O guardião sabia sua função, não estava na linha de frente, sequer na segunda defesa, estava aguardando, junto com os seus irmãos seriam a ultima defesa, seguiria com disciplina a ordem de seu líder, de seu primo, este lhe confiara a linha dos guardiões e ele não falharia.

Foram pegos de surpresa, os ventos não avisaram a tempo, mas ainda assim resistiram, jamais havia lutado com tamanha fúria, sabia se tratar da sua ultima batalha, mas precisava dar tempo para a fuga dos pequenos e das mulheres, era necessário tempo para que fosse garantida a sobrevivência do seu povo.

O guardião sentiu picadas de abelhas e ouviu o zunido de vespas, mas isto não o fez parar, sequer reduziu seu ritmo, derrubou guerreiros, um após outro, reconhecendo alguns de outras batalhas, quase todos, guerreiros valorosos, que também lutavam pela sobrevivência.

Lembrou-se que seu amor viria buscar-lhe pessoalmente, sua Valquíria, novamente se uniriam no fim da batalha, o orgulho tomou conta de seu peito e sabendo que ela estaria ali observando, lutou para ela.

Felicitou-se ao saber que a sua pequena estaria em segurança, o que também agradaria a Valquiria, sua mãe. Teria sua linhagem garantida e seu sacrifício compensaria a falta que fez nos primeiros anos desta pequena.

Sentiu-se desolado, era noite. Não notou o momento em que escureceu, mas agora se sentia sozinho, mal se ouvia o barulho da batalha, eram poucos os seus irmãos a lutar, mas não menos ferozes, notou que as picadas de insetos eram na verdade flechas, muitas delas, não lembrava-se de ter visto alguém lutando com tantas no próprio corpo, pensou em descansar, sentia frio e sono, mas sabia que a cada minuto combatendo, aumentavam as chances de sucesso na fuga de sua pequena, que sempre detestou ser chamada assim.

Recobrou forças e correu. Avistara os arqueiros e sabia que de perto os massacraria, mesmo estes já pareciam cansados, questionavam a sabedoria daquela invasão ao ver o preço a ser pago, não tinha forças para sutilezas, já não podia ser tão preciso, por isso desculpou-se aos deuses por não respeitar os corpos dos inimigos o os degolou, com selvageria jamais experimentada. Aqueles que se assustaram com a cena fugiram, mas um, congelado pelo temor, revelou-se pouco atrás daquela primeira linha de arcos, visto pelo guardião imediatamente após a queda do corpo sem vida de um dos seus inimigos.


Mal acreditava na quantidade de arqueiros, detestava-os, eram incômodos e desequilibravam a batalha, queria vê-los sofrer, dirigiu-se àquele que o encarava tremendo, sentia o medo dele, o via tremer, mas o medo não impediu que o arqueiro abrisse a mão direita, libertando a flecha em seu arco já retesado, talvez tivesse largado a flecha sem querer, justamente por medo do gigante cravado de flechas que se movia em sua direção.

O guardião urrava enquanto se movia, uma espada em cada mão, “garra de coruja” e “beijo de aranha”, sentiu mais uma picada e num ultimo esforço arremessou sua espada, a “garra da coruja” voou e alcançou seu alvo com força e precisão mortais, cravando-se no peito do jovem arqueiro e o arremessando no chão.


Enfim descansaria, segurou o “beijo da aranha” com força nas duas mãos e se deixou cair, esperaria pela sua Valquiria armado, estava pronto para o Valhalla e para o Ragnarok, mas pouco antes de ser levado avistou sua Valquiria, não colhendo as almas, mas batalhando, com a mesma selvageria do guardião, reconhecia aqueles movimentos, eram os seus próprios movimentos em um corpo feminino e, em um lampejo, reconheceu sua filha.

Não podia ser, ela lhe prometera seguir com os pequenos para garantir a segurança de todos, ficou angustiado e em dúvida, morreu sem saber ao certo, em seus olhos não haviam mais a paz de quem segue para o Valhalla, mas sim o desespero de quem não sabe ao certo o destino de sua cria.


Mas esta história não nos cabe contar....

Nenhum comentário:

Postar um comentário