sexta-feira, 24 de julho de 2020

Idiossincrasias mil




Era alguém peculiar.

Não gostava do comum, do padrão.

Amava o belo, claro.

Mas amava principalmente o diferente.

Transbordava testosterona, como dizia a Índia. 

Mas era também extremamente feminino, sua sexualidade sendo confundida diversas vezes.

Aparentemente calmo, vivia num turbilhão interno.

Queria mudar. Queria se mudar. Queria mudar o mundo.

Extremamente inseguro com o sexo oposto.

Extremante seguro com o sexo.

Extremante sexual.

Dengoso e carinhoso.

Bobo, besta, idiota.

Inteligente, safo, sábio.

Desconstruído, sensível.

Abusivo, frio.

Todos adjetivos lhe serviam.

Extremamente social e solitário.

Capaz de amar loucamente, imediatamente.

Incapaz de esquecer o amor.

Romântico.

Tatuado de sentimentos, tem pele infinita.

Marcado de cicatrizes, externas e internas.

Tem em seu corpo a expressão de sua história.

Sua maior peculiaridade provavelmente é ser um paradoxo em si mesmo.

Preguiçoso, ama esportes.

Espiritualizado, é cético.

Sente saudade e se isola.

Ama contato, mas quer espaço.

Acha a hipocrisia característica humana e inevitável, condenável em apenas uma situação: naqueles que a apontam.

Vive constantemente entre dois mundos.

Duas raízes.

Africa e Europa

Duas cidades.

Interior e capital.

Frequentemente dividido entre dois amores.

Era assim complexo, peculiar, idiossincrático.

Mas acima de tudo:

Livre

quinta-feira, 23 de julho de 2020

Preta Rosa



Rosa preta de espinho afiado
machuca a quem te toca
Não importa a intenção
Seu toque aveludado
Distrai do que importa
E confunde a emoção

Rosa pequena
De beleza rara e delicada
Dedicada a Iludir e enganar
Sua fragrância envenena
Invade a mente e a alma 
E te faz duvidar

E duvidando,
Jardineiro se sente ceifeiro
Admirador se vê violador
E mesmo tentando
O adubo vira poda
E o apreço parece que engoda

Já não se acredita
Que é possível
O cuidado ou atenção
E torna maldita
Até mesmo sofrível
Qualquer relação

E assim
A rosa preta tão bela
Por mais que singela
Não tem atenção
E é preciso cuidado
Ou seu destino é fadado
A completa solidão.

quarta-feira, 22 de julho de 2020

A engrenagem



Era uma peça numa engrenagem.

E tudo que conhecia do mundo era como ser parte desta engrenagem.

Girava e girava, encaixada em tantas outras peças da mesma engrenagem.

Eventualmente se movia em outras direções, se encaixava com peças diferentes desta mesma engrenagem.

E subia e descia, e girava para um lado e para o outro, encaixava e desencaixava, sempre na mesma engrenagem.

E tinha sempre em espaço ao seu lado para uma outra peça de engrenagem.

Até que um dia surgiu uma peca que se encaixava JUSTAMENTE neste espaço.

E foi bom. 

Juntas essas duas peças da engrenagem moveram-se, movimentaram a engrenagem.

Mas com o tempo e desgaste já não se encaixavam perfeitamente e essas duas peças inseparáveis se desconectaram.

E outras peças surgiram neste mesmo espaço, umas encaixaram melhor que outras, umas se esforçaram para encaixar sem sucesso, mas a engrenagem não parava de girar.

Mas um dia essa peça de engrenagem se soltou e viajou e passou ela a se encaixar ao lado de outras peças em outras engrenagens.

Já não estava em seu mundo conhecido, se esforçou para encaixar, encaixou bem por um tempo, outras vezes nem encaixou.

Mas um dia voltou.

E a peça de engrenagem encontrou toda engrenagem diferente, faltavam peças importantes, mas o lugar a seu lado ainda estava lá.

E conheceu outra peça de engrenagem, de outra engrenagem, de uma engrenagem completamente diferente e quis girar com ela. Tentou trazê-la para sua engrenagem, mas era muito apertado, tentou se mudar para a engrenagem dela, mas era uma peça muito grande e em nenhuma das engrenagens estas peças puderam funcionar juntas, lado a lado.

Ambas acabaram perdendo uns dentes nas tentativas e já não podiam funcionar juntas.

Pensaram em buscar um outro maquinário em que pudessem ambas se encaixar, mas já haviam desdentado uma a outra e não importava onde, já não se encaixavam, não conseguiram girar.

Assim, um tanto desdentadas, cada peça voltou para o seu maquinário, com seu esforço do lado e mesmo que um tanto desfuncionais, sozinhas voltaram a girar.

terça-feira, 21 de julho de 2020

Efeito Hancock



Tinha lhe quisto, mas não caibo em sua racionalidade passional e não há argumentos que os valha. 

Hão de perecer quaisquer colóquios ante a premissa de que são mais valiosas as carícias de dedos que vivem nos arredores de seu universo particular às palavras, imagens e sentimentos transatlânticos.

Não lhe importa a cátedra, ama a palavra, a poesia e a prosa, mas as músicas que canta sua boca e a mímica de seu corpo eloquente são dissonantes das palavras que falam seus lábios e calam em mim mais sombrio sentimento.

Mente, obviamente, ridiculamente.  Pois é legível em seu corpo, está claro na poesia de cada estria que ansiava por mais intenso desfecho, almejava ter-me tal qual a felina alma que lhe habita.

O sentimento padeceu ao medo do tempo. Pois é tempo ser que desdentado e velho ainda rói o mais rijo dos metais. 

Não há vislumbre se felicidade a vivência de tal sentimento frente às intempéries de tão longo ciclo abstêmio, celibatário.

Criança de alma jovem não aprendeu que meses são grãos na ampulheta de uma vida e que são fragmentos de grão na ampulheta da eternidade.

Eterno... Eterno é o sentimento que tatua a alma, marca o corpo de arrepio, calafrio. Sentimento que machuca o lábio, as costas e que jamais cicatrizará no espírito.

Havia lhe quisto, lhe necessitado e hei de viver querendo, faltando eternamente este pedaço de mim que só encontraria em você. 

Continuarei desejando beber de sua boca de gosto neutro e sentir sua pele macia, quente, de toque molhado e sabor salgado.

Pois, garota pequena de sorriso de princesa e idiossincrasias mil, a verdade é que te quero.