Sempre fora livre, sempre viajando, se ferindo, se arriscando, amando,
sofrendo, matando, mas um dia foi surpreendido, voltou para os braços de um dos
seus maiores amores e não a encontrou, encontrou apenas sua herança, não a
conhecia, aquela coisa pequena e suja, ranhenta e magrela, seus braços mais
pareciam dedos, de tão finos, perguntou-se como aquilo teria vingado,
perguntou-a sobre a sua mãe e soube que morrera, preferiu não perguntar de que,
sentiu vontade de chorar, amara aquela mulher, mas seu contato fora breve, mas
não podia se permitir demonstrar tamanha fraqueza para aquela pequena.
Tinha visto força nela, o que o assustou. Por debaixo
daqueles cachos negros estavam um olhar penetrante, forte, de quem sabe o que
quer e que foi bem ensinada, apesar da pouca idade. Ficou encantado, seu
espirito era guerreiro, disputava o que queria com fervor e quando perdia não
mostrava lagrimas e sim os dentes, com ferocidade.
Pousou por alguns dias naquele lugar, alimentou-se com a
comida daquelas pessoas que criavam a filha daquela que cativou eternamente seu
coração, deitou-se com algumas mulheres que ali viviam, mas não encontrou em
nenhum braço aquela energia, ficou triste, ajudou no que pôde, como forma de
pagar sua estada, se afeiçoou aquela menina, tão pequena e já dominava as
ervas, sabia usar um athame como um garoto brinca com sua espada, era mirrada,
mas seria forte, uma mulher de fibra, um dia, quando crescesse, se crescesse.
Ela o fazia lembrar demais a mãe da criança, tanto que doía,
seus cabelos negros e pele alva eram iguais ao que um dia ele acariciou, olhar
para aquela menina incomodava e trazia belas lembranças, apesar do espirito
desta criança ser completamente diferente, muito mais arredia e teimosa, não
conseguia imaginar como a sua mãe conseguiu ensinar tanto a alguém tão turrona.
Um dia a estadia chegou ao fim, as feridas cicatrizaram, o
tempo melhorou, apesar do prazer da companhia era chegada a hora de partir, ao
anunciar sua partida recebeu uma notícia que mexeu com sua cabeça, a avó da
criança lhe chamou e contou-lhe que aquela criança era fruto da sua união com
sua filha, que aquela coisa pálida e mirrada era fruto da sua carne, do seu
sangue e do seu amor por aquela morena esguia, ficou tonto, mas entendeu a
empatia que sentiu por aquela menina morena, como sua mãe, como seu amor.
Avisou-lhe também que não haveria quem cuidasse da sua
criança por muito tempo, pois já era idosa e não haveria outras pessoas e quem
confiar sua seurança, deixando clara, assim, sua intenção, ele aceitou o fardo,
sabia o que fazer, levaria para um lugar onde ela seria ensinada a ser uma
mulher e uma guerreira, como seu espirito gritava que queria, ao afirmar que
levaria a criança, surgiu dum canto qualquer, num pulo, aquela coisa branca
voando em sua direção, abraçando-o, chorando, dizendo que sua mãe já havia lhe
falado sobre ele e que o reconheceu assim que o viu.
Contudo uma coisa o preocupava, não seria uma viagem curta,
não seria uma viagem tranquila, muito menos segura, para chegar onde queria,
teriam que ser como a sombra, mas alguém tão grande como ele e uma criança
estabanada como ela, dificilmente passariam despercebidos.
Meses se passaram até alcançarem o objetivo, neste período
se tornaram ainda mais unidos, ensinou-lhe a manusear o athame, a se defender
em caso de necessidade, e o conhecimento dela sobre ervas acabou o salvando um
dia, quando um corte de espada foi mais fundo do que era possível suportar, foi
ela quem tratou sua ferida e sua febre. Fazendo-o lembrar e sentir falta, mais
uma vez, do calor da pele de sua mãe.
Quando não estava concentrada em suas praticas ou buscando
ervas para alimentar-se, ela ria, e como ria, um sorriso grande, com dentes
alvos e som engraçado, era bom se apaixonar por aquela criança, sentir o amor
que as pessoas sempre falavam, morreria por ela, mesmo a morte certa, seria
enfrentada para que aquela criança pudesse sorrir muitas vezes mais.
Um dia esta promessa seria cobrada.