Nenhuma dor que senti foi mais intensa, nenhum ferimento
mais profundo e jamais o peso da solidão foi tão grande. Neste dia ouvi uma
resposta inesperada daquela de quem cuidei com tamanho afinco.
Por um tempo cuidei daquela pequena, de sorriso largo, sempre metida em encrenca,
que dormia com cara de sofrimento, que sabia ocupar perfeitamente o espaço de
minhas costelas, que muitas vezes arrancou sangue de minhas costas com suas
unhas, num movimento intenso e lento, onde a satisfação era estampada com um sorriso malicioso em seu rosto, de quem sempre fez o que quis e por muito tempo me quis.
Era seu homem e seu protetor, encaixávamos perfeitamente, apesar da estupida diferença de tamanho, aquela pequena sedenta de mim, eu a quis como a nenhuma outra, não que fosse meu maior amor, mas jamais alguém se encaixou tão perfeitamente em mim, quando nos uníamos ela era feroz e ativa, fazia como queria e gostava quando eu a dominava, mostrando que mesmo uma égua arisca podia ser montada, quando ela ria alto ao ter os cabelos agarrados com força, olhar desafiador e matreiro, movimentando-se como uma cobra, mordendo como uma cadela e arranhando-me como uma tigresa.
Mas um dia o perigo passou, estava chegando meu momento de partir, começamos a nos preparar para aquilo, as noites ficaram mais calmas, os dias um tanto lúgubres, a cada vez que nos deitávamos, era como uma despedida, com demonstrações de carinho e afeto não costumeiras, demonstrando através de atos que sentiríamos falta um do outro, não éramos mais como dois animais selvagens, mas sim dois seres dóceis, afáveis.
No dia em que partiria, ela chorou, esperneou, xingou,
amaldiçoou, me arranhou, novamente até sangrar, mas desta vez sem prazer,
apenas sofrimento e pela primeira vez em anos eu cedi, como nenhuma outra
pequena havia me feito ceder, aquela tinha me vencido, era impossível não ceder
àquela coisa miúda chorando com a cabeça em meu peito, a prometi ficar, disse que permaneceria com ela, ao menos por mais um tempo, o que foi um erro.
Fiquei mais tempo ao seu lado, mais do que deveria, quase
me estabeleci, insto foi contra minha natureza, espirito livre, apenas me estabeleceria quando encontrasse meu lugar, ou no caso daqueles que me perseguiam um dia me enterrassem em algum lugar, o que eventualmente aconteceria, sofri por um tempo, estar estabelecido era como estar enjaulado, o sofrimento era aplacado pela companhia daquela pequena, mas já não era o suficiente, precisava andar, vagar, em outro lugar alguém precisava de mim e eu precisava partir, então decidi que era tempo e cometi o segundo erro, aquele que me fez
sangrar como nunca.
Numa manhã de sol pálido me deitei com ela na grama ainda molhada de orvalho, encoberto por brumas a possuí, como nunca antes, com vontade, força e carinho, mostrei-a tudo aquilo que sentia através de meu corpo, ela entendeu, soube que eu iria embora e chorou, ao fitar meus olhos, já deitada ao meu lado, segundos após o clímax ela chorou, não soluçou ou fez escândalos, apenas aquele choro contido de quem está resignado, então saíram da minha boca as palavras pelas quais me arrependi:
"vem comigo, pequena, vem viver e morrer comigo!"
Neste momento aquela coisa pequena e branca, muito
branca, simplesmente cresceu, um olhar intimidador surgiu e ela falou que eu,
dentre todos, eu deveria saber que ela jamais deixaria suas funções, seu povo, sua
família e eu me tornei pequeno, impotente diante daquela deusa que surgiu em
minha frente, desta vez ela sequer retrucou sobre minha partida, sem despedidas
saí derrotado sangrando, sabia que a reencontraria, se não nesta vida, em outra, mas jamais retornei e aprendi a ter medo de sentir, pois o
sentimento me tirou do meu caminho por tempo demais.